(trechos do depoimento de F. D., extraídos
dos autos do processo 2.657 – Colônia Chasma Australe II contra a Companhia
Mineradora Marciana, 24 de janeiro de 2183, ano terrestre)
(...)Antigamente
se acreditava em homenzinhos verdes com armas de raios, que invadiriam a Terra
e subjugariam a humanidade. Já no século XXI, quando os primeiros voos
tripulados chegaram a Marte, chegou-se a cogitar males mais plausíveis,
infecções por bactérias e vírus, envenenamento por substâncias ou radiações
desconhecidas, entre outros.
Quase cem anos
depois, nada disso se confirmou.
Minha formação
em mineralogia me levou ao espaço, vinte e três anos atrás, para um trabalho de
dez anos, e acabou me trazendo à colônia de estudos e extração mineral onde minha
‘condição’ me obriga a viver até hoje.
O problema para
as pessoas como eu, que ficam por longos períodos no planeta vermelho, é algo
bem pouco glamuroso. Em poucas palavras, trata-se de um desajuste em relação à
vida que se leva na Terra, ao que os locais chamam de Anacronismo Marciano.
(...)quando retornei à Terra foi como se
eu tivesse ficado dez anos dentro de uma cela. As pessoas de minha cidade não
apenas não usavam mais neurofones e programas de biochip compatíveis com os
meus. Elas pareciam não falar mais nem mesmo a minha língua. Eu era um completo
estranho, desabituado ao modo de vida de familiares e conhecidos.(...)Dez anos passam como se fossem cem
em uma Terra cada vez mais impulsionada por modismos sociais instantâneos, ao
passo que, em Marte, um sítio tomado por técnicos movidos pela ambição da
descoberta, pouco valor se dá para tais trivialidades.
Isso não
aconteceu apenas comigo. Casos semelhantes são recorrentes entre meus colegas
de trabalho marcianos, que, como eu, não receberam qualquer preparo para lidar
com o Anacronismo ou com disfunções sociais similares.
(...)Depois de procurar apoio
psicológico, concluí que seria melhor me mudar de vez para Marte, onde fixei
residência com minha nova esposa, cientista como eu, vendo o tempo e a vida se passarem
no ritmo a que estou acostumado.
Sinto-me como
se sentem minha esposa e companheiros. Como párias, rejeitados pelo mundo que
nos gerou.(...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário