sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Anacronismo Marciano - conto de Fabian Balbinot publicado na coluna Fricção do caderno Planeta Ciência 20, da Zero Hora em 27/02/15

Anacronismo Marciano

(trechos do depoimento de F. D., extraídos dos autos do processo 2.657 – Colônia Chasma Australe II contra a Companhia Mineradora Marciana, 24 de janeiro de 2183, ano terrestre)
 (...)Antigamente se acreditava em homenzinhos verdes com armas de raios, que invadiriam a Terra e subjugariam a humanidade. Já no século XXI, quando os primeiros voos tripulados chegaram a Marte, chegou-se a cogitar males mais plausíveis, infecções por bactérias e vírus, envenenamento por substâncias ou radiações desconhecidas, entre outros.
Quase cem anos depois, nada disso se confirmou.
Minha formação em mineralogia me levou ao espaço, vinte e três anos atrás, para um trabalho de dez anos, e acabou me trazendo à colônia de estudos e extração mineral onde minha ‘condição’ me obriga a viver até hoje.
O problema para as pessoas como eu, que ficam por longos períodos no planeta vermelho, é algo bem pouco glamuroso. Em poucas palavras, trata-se de um desajuste em relação à vida que se leva na Terra, ao que os locais chamam de Anacronismo Marciano.
(...)quando retornei à Terra foi como se eu tivesse ficado dez anos dentro de uma cela. As pessoas de minha cidade não apenas não usavam mais neurofones e programas de biochip compatíveis com os meus. Elas pareciam não falar mais nem mesmo a minha língua. Eu era um completo estranho, desabituado ao modo de vida de familiares e conhecidos.(...)Dez anos passam como se fossem cem em uma Terra cada vez mais impulsionada por modismos sociais instantâneos, ao passo que, em Marte, um sítio tomado por técnicos movidos pela ambição da descoberta, pouco valor se dá para tais trivialidades.
Isso não aconteceu apenas comigo. Casos semelhantes são recorrentes entre meus colegas de trabalho marcianos, que, como eu, não receberam qualquer preparo para lidar com o Anacronismo ou com disfunções sociais similares.
(...)Depois de procurar apoio psicológico, concluí que seria melhor me mudar de vez para Marte, onde fixei residência com minha nova esposa, cientista como eu, vendo o tempo e a vida se passarem no ritmo a que estou acostumado.
Sinto-me como se sentem minha esposa e companheiros. Como párias, rejeitados pelo mundo que nos gerou.(...)

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