quarta-feira, 24 de junho de 2015

Imaginação Fértil – parte 1 – Valsa do Quotidiano

Receita para ler Imaginação Fértil:
1 – Leia a primeira parte – Valsa do Quotidiano
2 – Leia a segunda parte – A Sinfonia do Inferno
3 – Pergunte: Por que será que o autor colocou esse ‘A’ no início do título da segunda parte?
4 – Agradeça aos céus por tudo o que é diferente na parte dois NÃO ter a mínima chance de acontecer na vida real.


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VALSA DO QUOTIDIANO

Você acorda pela manhã. O despertador tocando.

É cedo. O quarto ainda está tomado pela escuridão.

Você se estica todo, respira fundo, ouve os estalos nos ossos e chuta os cobertores para longe sentindo o frescor matinal em sua pele.

Cedo demais, mas você precisa levantar. O dever, ou algo que o valha, o chama.

Você levanta, veste-se, lava o rosto no banheiro e segue até a cozinha onde prepara o breakfast. Uma torrada de pão integral com uma fatia de queijo muzzarela e outra de peito de peru. Uma xícara de café preto com três gotas de aspartame. Um pote de iogurte e uma banana. O remédio para a hipertensão, o comprimido para o colesterol, o complexo de vitaminas e… uma última pastilha que você nem lembra mais para o que serve.

Enquanto escova os dentes você revista a carteira onde há apenas algumas poucas cédulas e checa a hora e as possíveis mensagens no celular, tentando fazer tudo isso junto da forma mais eficiente e menos estabanada possível. Mensagens automáticas, ofertas de planos de celular, inclusive do plano de celular que você já tem no seu próprio celular, são o que há para se ver.

Contrariado com as mensagens, você tosse e cospe a espuma da pasta de dente na pia do banheiro, tentando não se engasgar. Colhe água da torneira com a concha da mão, sorvendo-a e fazendo alguns gargarejos.

Você se olha no espelho. Penteia os cabelos. As covas ao redor dos olhos parecem ser as mesmas de sempre, mesmo você sabendo que elas sequer existiam uma década antes.

Você deixa o apartamento, duas voltas nas chaves das duas fechaduras, e segue pelo corredor do terceiro andar. Alguém passa por você. Seu aceno de cabeça silencioso é correspondido de forma análoga pelo vizinho, e ambos seguem seus caminhos pelo corredor tomado pela penumbra.

Você chama o elevador e o aguarda. Quando a porta se abre, você entra e aperta o botão do andar térreo. Como de costume, você ouve o estrépito de mecanismos e engrenagens e cabos invisíveis que se atritam. Prédio antigo. Elevador jurássico. Sorte que ainda funciona.

Atravessando o corredor que dá acesso ao exterior, você cumprimenta o porteiro e inicia sua caminhada rumo ao trabalho.

O movimento começa a se intensificar, as pessoas abandonando a letargia do final de semana e tomando conta da cidade grande, prenunciando mais uma segunda-feira de trabalho e correria.

A barulheira do movimento se intensifica e você puxa os fones de ouvido do celular e pendura as extremidades em seus ouvidos, acionando os solos de guitarra de um grupo de rock psicodélico dos anos setenta, cujos acordes e vocais harmoniosos e dissonantes o acalmam e distraem.

Enquanto caminha ao som da música, você observa a repetição monótona de carros e ônibus passando pelas ruas e as pessoas andando pelas calçadas, lotando-as aos poucos.

Você vê os grandes prédios que tentam bloquear a imagem do céu azul, em mais um dia de temperatura agradável, sem nuvens.

Lojas e butiques abrem suas portas disputando espaço com ambulantes que espalham suas mercadorias sobre toalhas pelo piso do passeio público.

Você observa as pessoas vindo em sua direção. Homens de óculos escuros e ternos e maletas e expressões ausentes. Mulheres elegantes e formosas de saltos e bustos altos com olhares insinuantes. Jovens apressados com suas mochilas e bonés enormes. Crianças uniformizadas de acordo com os padrões de suas escolas ou da moda. Mães carregando criancinhas choronas. Skaters e motoqueiros atravessando os engarrafamentos diante dos semáforos fechados com grande habilidade e muito estrépito, provocando reclamações e buzinas de gente inconformada dentro dos carros que deveriam estar andando.

Um conhecido o cumprimenta.

Você sorri.

E é sorridente, assoviando uma bela canção, que você prossegue em seu caminho rumo ao trabalho.

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